Um bom modelo de governança deve abarcar aspectos de duas vertentes. A primeira vertente remete aos aspectos objetivos, tangíveis e mensuráveis. Já a segunda vertente refere-se aos aspectos subjetivos, intangíveis e incomensuráveis.
Quando falamos em aspectos objetivos, tangíveis ou mensuráveis estamos nos referindo a tudo que é possível de ser, por algum método ou critério ser medido, quantificável, como faturamento, rentabilidade, grau de endividamento, indicadores de performance, métricas de desempenho, taxas de retorno.
Por sua vez, quando falamos dos aspectos subjetivos, intangíveis estamos nos referindo ao grau de sinergia, alinhamento e engajamento dos sócios, expectativas pessoais de cada sócio em relação à sociedade, nível de dependência econômica e emocional dos sócios em relação aos resultados da empresa.
Há que se admitir uma questão inexorável da vida: É imprescindível renda, dinheiro para viver com conforto.
E nesta seara da renda para oferecer um bom padrão de vida, estabilidade financeira e conforto aos sócios ou herdeiros, quando falamos em governança corporativa voltada especialmente às empresas familiares surge um desafio objetivo da governança que envolve metodologia de gestão capaz de mensurar rentabilidade e capacidade de expansão do negócio, especialmente para abraçar e sustentar o crescimento da família. Tanto que supra as necessidades de renda da família em seu processo de crescimento quantitativo com noras, genros, filhos e netos bem como o envelhecimento, bem-estar e cuidados de saúde da geração anterior.
Neste sentido, qualquer modelo de governança para empresas familiares deve se ater detidamente a pelo menos quatro itens: a) rentabilidade do negócio, b) crescimento e expansão, c) grau de endividamento e, d) política de dividendos.
Quando falamos em rentabilidade, falamos em eficiência, estruturas de custo bem controladas, despesas estritamente necessárias à operação com foco nas suas atividades operacionais e na entrega de resultados.
Já o crescimento e expansão se refere ao planejamento estratégico de médio e longo prazo visando alcançar novos mercados seja por lançamento de novos produtos ou ocupação de novos espaços geográficos.
Não há como falar em crescimento e expansão sem falar em certa medida de endividamento. Nenhuma empresa consegue crescer se não houver novos investimentos. Raros não os negócios que conseguem crescimento constante a partir de fontes próprias de investimento, seja por reinvestimento dos lucros ou por novos aportes dos seus sócios. Em razão disto, a contratação de empréstimos ou financiamentos destinados à melhoria dos processos internos, compra de máquinas e equipamentos faz parte da pauta das empresas.
Estas contratações e suas despesas financeiras correlatas devem fazer parte da pauta da governança na medida que seu balanceamento é indispensável de preservar o caixa e a rentabilidade do negócio em linha com a geração de lucros e distribuição destes resultados conforme a política de dividendos também conhecida como política de remuneração ao acionista vigente.
Maximizar o retorno do sócio ou acionista é justamente o objetivo maior da administração da qualquer empresa familiar ou não. Para um alinhamento de expectativas entre o que a empresa gera de lucros, reinveste e distribui é indispensável uma política de dividendos clara e objetiva que proporcione a cada sócio ou acionista as informações necessárias ao que esperar da sociedade seja em caráter de periodicidade, percentuais distribuídos, dividendos mínimos ou obrigatórios, reservas entre outros.
A segunda vertente, não menos importante que a primeira, é a vertente subjetiva que são os aspectos intangíveis, incomensuráveis das sociedades, sobretudo das empresas familiares. Aqui entram os fatores individuais, interpessoais, psicológicos, afetivos, emocionais; as questões transgeracionais, crenças, cultura, as relações interpessoais, entre familiares consanguíneos (pais, filhos, tios, primos, sobrinhos) e por afinidade (cunhados, cunhadas, noras, genros, sogros e sogras).
Brigas de família sempre são problema; problema que gera muito prejuízo.
O grande desafio neste campo é estabelecer um ambiente de harmonia para a prosperidade; que os sócios tenham uma interação positiva, autêntica, integral e austera. Em um pior cenário, que a empresa prospere apesar dos conflitos, litígios e desentendimentos dos sócios.
Neste aspecto uma boa política de governança corporativa fornece dois ingredientes que ajudam muito a guiar a empresa rumo à estabilidade nas relações e perpetuidade: cultura de planejamento e transparência na gestão.
A cultura de planejamento dá um sentido de orientação e velocidade. Com planejamento desaparece o sentimento de insegurança aos acionistas que estão de carona no barco sem cargos de direção. A empresa tem direção, caminho, planejamento e plano de ação. Já a transparência ajuda a mitigar problemas familiares na empresa e problemas empresariais na família de ocultação ou desequilíbrio no fluxo de informações, falta de transparência, problemas de mercado, riscos ou oportunidades do negócio desconhecidos pelos sócios e ainda possibilidade de participação nas grandes decisões.
Geralmente se associa o termo governança à grandes empresas, mas boas práticas como “separar o bolso dos sócios do bolso da empresa” e não confundir “mesa de jantar com mesa de negócios” são duas práticas bastante simples e baratas que podem ser utilizadas em empresa de qualquer porte.
Nem sempre é necessária grande estrutura. O impacto da estrutura de governança é sempre, sempre, mais relevante que o seu porte ou tamanho. Cabe recordar também que a governança é uma jornada sem fim, depende do estado da arte. Boa governança é aquela que é possível para o momento e resolva as questões mais sensíveis e imediatas.
Não basta uma boa política de governança. É preciso também coragem, senso crítico, humildade e sabedoria para formular as perguntas corretas. É preciso aferir se há uma empresa familiar ou uma família empresária. Aquele grupo de pessoas herdou ou construiu o negócio? O perfil é preponderantemente empreendedor para desenvolver novos negócios? Ou são bons gestores para manter o que já tem? A gestão está observando as mudanças na sociedade? Conhece e percebe as novas nuances de seu mercado? De que forma as novas tecnologias afetam ou tornam seu produto ou método de trabalho obsoleto? Que medidas devem ser implantadas para a empresa se ajustar ao novo mercado? Aos novos padrões de consumo? O negócio em si é sustentável? Tem potencial de durar?
Enfim, para a perenidade da empresa familiar é preciso coragem de analisar, refletir, criticar e mudar não somente o modelo de negócio, bem como os modelos de gestão e governança, lembrando que pensar dez anos à frente é um jogo que não tem concorrentes; todo mundo quer ficar rico amanhã.
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