A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, mesmo havendo testamento, é possível a adoção do inventário e partilha por escritura pública, na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e concordes. A corte ressaltou que a lei determina a opção do processo judicial apenas em casos de litigio ou quando uma das partes é incapaz.
No caso em análise, a divisão extrajudicial exigia homologação judicial, com a anuência de todos os herdeiros. Na ocasião foi informado que o testamento havia sido registrado em juízo.
Nas instâncias ordinárias o dispositivo foi aplicado literalmente. O juiz de origem rejeitou o pedido de homologação sob o argumento de que, havendo testamento, deve ser feito inventário judicial, conforme expressamente disposto no artigo 610, caput, do Código de Processo Civil, não podendo ser substituído pela simples homologação da partilha extrajudicial. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
No recurso dirigido ao STJ, sustentou-se que os herdeiros são capazes e consentiram com o ato, de modo que o inventário e a partilha podem ser feitos por escritura pública, nos termos do artigo 610, parágrafo 1º, do CPC. Também foi apontado que existem precedentes do próprio STJ e de outros tribunais que permitem a realização do inventário extrajudicial.
A interpretação moderna faculta a opção de recorrer a meios alternativos de solução das demandas de forma extrajudicial, sem necessidade de provocação da via judicial.
A relatora, Ministra Nancy Andrighi, afirmou em sua decisão que o caso requer uma interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos legais, para chegar a uma solução mais adequada, e citou o precedente da Quarta Turma que autorizou a realização de inventário extrajudicial em situação semelhante (RESp 1.808.767).
Segundo ela, a motivação do projeto de lei que cria a possibilidade de inventário extrajudicial no Brasil revela que o legislador se preocupou que o testamente existisse em razão da possível existência de conflitos, entre os herdeiros.
Contudo, para Nancy Anrighi, “a exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador".
A relatora apontou que a tendência atual da legislação é estimular a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução das controvérsias, destinando-se a via judicial apenas para os casos de conflito entre os herdeiros. Ela destacou os artigos 2.015 e 2.016 do Código Civil como exemplos dessa tendência.
"Sendo os herdeiros capazes e concordes, não há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento", concluiu Nancy Andrighi.
Leia o acórdão no REsp 1.951.456
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